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Ramificação de escolhas representada em uma árvore — foto tirada pelo autor deste texto, Amsterdã, Países Baixos." Ansiedade, ou Angst, ocupa um lugar central na análise existencial da existência humana de Martin Heidegger, tal como apresentada em Ser e Tempo. Heidegger vê a ansiedade não apenas como mais um estado emocional, mas como uma disposição fundamental (Grundbefindlichkeit) que revela verdades profundas sobre a natureza da existência humana. Ao contrário de outros estados emocionais ou disposições, a ansiedade desempenha um papel único ao revelar as estruturas essenciais do Dasein — o termo heideggeriano para o ser humano como "ser-aí" ou "ser-no-mundo". Compreender a ansiedade é crucial para entender o projeto filosófico mais amplo de Heidegger, que visa explorar o sentido do Ser ao analisar as condições da existência humana.
O Contexto Ontológico da Ansiedade Para apreciar a importância da ansiedade no pensamento de Heidegger, é essencial situá-la no contexto mais amplo do seu projeto de ontologia fundamental. Em Ser e Tempo, o objetivo principal de Heidegger é investigar o sentido do Ser. Ele faz isso ao concentrar-se no Dasein, a entidade para quem a questão do Ser é uma preocupação. Heidegger redefine o ser humano, não como um sujeito com atributos, mas como Dasein, um ser que está sempre situado num contexto específico, com a sua existência a ser-lhe desvelada de várias maneiras. Grande parte de Ser e Tempo é uma exploração de como o Dasein existe no mundo. Heidegger examina o que significa para o Dasein ser e como a sua existência se desvela. Ele introduz o conceito de desvelamento (Erschlossenheit) para descrever como o "ser-aí" do Dasein se torna aparente para si mesmo. Para Heidegger, a existência humana é fundamentalmente uma existência mundana; o Dasein está sempre já embutido numa teia complexa de relações e envolvimentos com o mundo. Heidegger identifica quatro estruturas básicas, ou "existenciais", que constituem ontologicamente o Dasein: Befindlichkeit (disposição), compreensão (Verstehen), decadência (Verfallenheit), e discurso (Rede). Estas estruturas estão unificadas no quadro ontológico do Dasein, conhecido como "cuidado" (Sorge), que revela o ser-no-mundo do Dasein como intrinsecamente temporal. A ansiedade está profundamente conectada a estas estruturas, particularmente à Befindlichkeit e à decadência. Ansiedade como Disposição Fundamental A ansiedade é uma disposição fundamental (Grundbefindlichkeit) na análise de Heidegger porque revela a verdadeira natureza do Dasein de uma forma que outras disposições não conseguem. Ao contrário de outras disposições, que podem desvelar aspectos do mundo ou das nossas relações com os outros, a ansiedade desvela a própria estrutura da nossa existência. Ela faz isso ao retirar os significados e significâncias familiares que normalmente caracterizam as nossas experiências cotidianas. Na vida cotidiana, estamos absorvidos nas preocupações práticas e nos envolvimentos sociais. Interagimos com os objetos e as pessoas ao nosso redor de maneiras que são guiadas pelos nossos objetivos imediatos, desejos e normas sociais. No entanto, na disposição de ansiedade, essas preocupações cotidianas perdem o seu domínio sobre nós. O mundo não desaparece, mas torna-se estranho, inquietante e familiar de uma nova forma. Os objetos e pessoas que normalmente compõem o nosso mundo parecem perder o seu significado. Esta transformação do mundo revela algo fundamental sobre o Dasein: que a sua existência não é definida por essas preocupações cotidianas, mas por algo mais profundo — o seu ser-para-a-morte e a sua capacidade de existência autêntica. A Natureza Reveladora da Ansiedade Heidegger argumenta que a ansiedade revela três características chave da existência do Dasein: a sua facticidade (Geworfenheit), o seu ser-no-mundo como um todo, e a sua possibilidade de ser.
A ansiedade também tem uma relação crucial com o conceito de decadência (Verfallenheit), que descreve a tendência do Dasein para se absorver no mundo cotidiano de normas sociais e preocupações práticas. Na vida cotidiana, o Dasein frequentemente foge das percepções reveladas pela ansiedade. Ele se afasta da inquietação da sua existência e busca refúgio nas rotinas familiares do "impessoal" (das Man) — a ordem social impessoal que dita como devemos pensar, agir e sentir. No entanto, a ansiedade interrompe essa decadência. Ela perturba a absorção do Dasein no mundo cotidiano e obriga-o a confrontar a sua própria existência. Este confronto pode ser profundamente perturbador, pois revela a falta de fundamento das normas sociais e preocupações práticas que geralmente orientam as nossas vidas. A ansiedade mostra que essas normas não estão enraizadas em nenhuma realidade última, mas são simplesmente formas pelas quais o Dasein evita enfrentar a sua própria possibilidade de ser. A decadência, então, pode ser vista como uma resposta às percepções perturbadoras da ansiedade. Na vida cotidiana, o Dasein tenta encobrir a ansiedade que sempre espreita em segundo plano, imergindo-se no familiar e na rotina. Mas a ansiedade é sempre uma possibilidade para o Dasein, e quando ela se manifesta, revela a inautenticidade dessa imersão. Ela expõe o fato de que o Dasein está a fugir da sua própria potencialidade para uma existência autêntica. Ansiedade, Autenticidade e Liberdade Um dos aspectos mais significativos da ansiedade no pensamento de Heidegger é a sua conexão com a autenticidade. Para Heidegger, a autenticidade não se trata de viver de acordo com algum padrão externo ou código moral. Em vez disso, trata-se de viver de uma maneira que seja fiel à própria potencialidade de ser do Dasein. A ansiedade é a disposição que torna a autenticidade possível porque revela a contingência do mundo cotidiano e a liberdade do Dasein para escolher o seu próprio caminho. Na ansiedade, o Dasein é confrontado com a sua própria liberdade. Ele percebe que as estruturas do mundo cotidiano — as normas, papéis e expectativas que geralmente guiam as suas ações — não são fixas ou necessárias. São simplesmente formas pelas quais o Dasein escolheu interpretar a sua existência. Esta realização pode ser tanto libertadora quanto aterradora. Por um lado, ela abre a possibilidade de escolher uma nova forma de ser, mais alinhada com a verdadeira natureza do Dasein. Por outro lado, revela a responsabilidade que vem com essa liberdade, pois o Dasein percebe que é, em última instância, responsável pelas escolhas que faz. Heidegger argumenta que a experiência da ansiedade é essencial para que o Dasein atinja a autenticidade. É apenas através da ansiedade que o Dasein pode libertar-se das formas inautênticas de ser impostas pelo "impessoal" e assumir a responsabilidade pela sua própria existência. Nesse sentido, a ansiedade não é algo a ser evitado, mas uma parte necessária da jornada do Dasein rumo à autenticidade. Ansiedade e Morte Outro aspecto crucial da ansiedade no pensamento de Heidegger é a sua conexão com o conceito de ser-para-a-morte. Na ansiedade, o Dasein torna-se consciente da sua própria finitude. Ele percebe que a sua existência está sempre orientada para o seu próprio fim — a morte. Esta consciência não é simplesmente o reconhecimento de um evento futuro, mas um aspecto fundamental do ser do Dasein. Para Heidegger, o ser-para-a-morte é o que dá à vida do Dasein o seu sentido e significado últimos. A ansiedade, ao revelar o ser-para-a-morte do Dasein, força-o a confrontar o fato de que não é apenas uma série de momentos presentes, mas um ser que está sempre a projetar-se no futuro. Esta projeção não é infinita, mas está sempre limitada pela possibilidade da morte. Desta forma, a ansiedade revela a natureza temporal da existência do Dasein — ele é sempre um ser-para-o-fim. Heidegger argumenta que esta consciência da morte é essencial para viver uma vida autêntica. É apenas ao reconhecer a finitude da sua existência que o Dasein pode apreciar plenamente a significância das suas escolhas e ações. A morte não é algo a ser temido ou evitado, mas é uma parte necessária do que significa ser humano. Nesse sentido, a ansiedade é uma porta de entrada para uma compreensão mais profunda da existência do Dasein e das suas possibilidades últimas. Conclusão A ansiedade, ou Angst, desempenha um papel central na análise existencial da existência humana de Heidegger. Ela não é apenas mais uma disposição ou emoção, mas uma disposição fundamental que revela a verdadeira natureza do Dasein. Através da ansiedade, o Dasein torna-se consciente da sua facticidade, do seu ser-no-mundo e da sua possibilidade de ser. A ansiedade interrompe a imersão do Dasein no mundo cotidiano, revelando a inautenticidade da decadência e abrindo a possibilidade de uma existência autêntica. A ansiedade também revela o ser-para-a-morte do Dasein, forçando-o a confrontar a finitude da sua existência e a significância das suas escolhas. Desta forma, a ansiedade é uma experiência ao mesmo tempo profundamente perturbadora e profundamente reveladora. É através da ansiedade que o Dasein pode alcançar a autenticidade, assumindo a responsabilidade pela sua própria existência e vivendo de uma maneira que seja fiel à sua própria potencialidade de ser. No pensamento de Heidegger, a ansiedade não é algo a ser evitado, mas uma parte necessária da condição humana. É através da ansiedade que podemos compreender a verdadeira natureza da nossa existência e as possibilidades que nos estão abertas. Referência: Elpidorou, A., & Freeman, L. (n.d.). Affectivity in Heidegger I: Moods and emotions in Being and Time. PhilArchive. Retrieved from https://philarchive.org/archive/ELPAIH Comments are closed.
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