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  Psicóloga | Mariana Grau Jamardo
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O Papel da Ansiedade na Filosofia de Heidegger

8/22/2024

 
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Ramificação de escolhas representada em uma árvore — foto tirada pelo autor deste texto, Amsterdã, Países Baixos."
Ansiedade, ou Angst, ocupa um lugar central na análise existencial da existência humana de Martin Heidegger, tal como apresentada em Ser e Tempo. Heidegger vê a ansiedade não apenas como mais um estado emocional, mas como uma disposição fundamental (Grundbefindlichkeit) que revela verdades profundas sobre a natureza da existência humana. Ao contrário de outros estados emocionais ou disposições, a ansiedade desempenha um papel único ao revelar as estruturas essenciais do Dasein — o termo heideggeriano para o ser humano como "ser-aí" ou "ser-no-mundo". Compreender a ansiedade é crucial para entender o projeto filosófico mais amplo de Heidegger, que visa explorar o sentido do Ser ao analisar as condições da existência humana.

O Contexto Ontológico da Ansiedade

Para apreciar a importância da ansiedade no pensamento de Heidegger, é essencial situá-la no contexto mais amplo do seu projeto de ontologia fundamental. Em Ser e Tempo, o objetivo principal de Heidegger é investigar o sentido do Ser. Ele faz isso ao concentrar-se no Dasein, a entidade para quem a questão do Ser é uma preocupação. Heidegger redefine o ser humano, não como um sujeito com atributos, mas como Dasein, um ser que está sempre situado num contexto específico, com a sua existência a ser-lhe desvelada de várias maneiras.
Grande parte de Ser e Tempo é uma exploração de como o Dasein existe no mundo. Heidegger examina o que significa para o Dasein ser e como a sua existência se desvela. Ele introduz o conceito de desvelamento (Erschlossenheit) para descrever como o "ser-aí" do Dasein se torna aparente para si mesmo. Para Heidegger, a existência humana é fundamentalmente uma existência mundana; o Dasein está sempre já embutido numa teia complexa de relações e envolvimentos com o mundo.
Heidegger identifica quatro estruturas básicas, ou "existenciais", que constituem ontologicamente o Dasein: Befindlichkeit (disposição), compreensão (Verstehen), decadência (Verfallenheit), e discurso (Rede). Estas estruturas estão unificadas no quadro ontológico do Dasein, conhecido como "cuidado" (Sorge), que revela o ser-no-mundo do Dasein como intrinsecamente temporal. A ansiedade está profundamente conectada a estas estruturas, particularmente à Befindlichkeit e à decadência.

Ansiedade como Disposição Fundamental

A ansiedade é uma disposição fundamental (Grundbefindlichkeit) na análise de Heidegger porque revela a verdadeira natureza do Dasein de uma forma que outras disposições não conseguem. Ao contrário de outras disposições, que podem desvelar aspectos do mundo ou das nossas relações com os outros, a ansiedade desvela a própria estrutura da nossa existência. Ela faz isso ao retirar os significados e significâncias familiares que normalmente caracterizam as nossas experiências cotidianas.
Na vida cotidiana, estamos absorvidos nas preocupações práticas e nos envolvimentos sociais. Interagimos com os objetos e as pessoas ao nosso redor de maneiras que são guiadas pelos nossos objetivos imediatos, desejos e normas sociais. No entanto, na disposição de ansiedade, essas preocupações cotidianas perdem o seu domínio sobre nós. O mundo não desaparece, mas torna-se estranho, inquietante e familiar de uma nova forma. Os objetos e pessoas que normalmente compõem o nosso mundo parecem perder o seu significado. Esta transformação do mundo revela algo fundamental sobre o Dasein: que a sua existência não é definida por essas preocupações cotidianas, mas por algo mais profundo — o seu ser-para-a-morte e a sua capacidade de existência autêntica.

A Natureza Reveladora da Ansiedade

Heidegger argumenta que a ansiedade revela três características chave da existência do Dasein: a sua facticidade (Geworfenheit), o seu ser-no-mundo como um todo, e a sua possibilidade de ser.
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  1. Facticidade: A ansiedade desvela a facticidade do Dasein, que se refere ao fato de que o Dasein se encontra em situações e contextos que não escolheu. A facticidade é uma característica central da existência do Dasein; indica que estamos sempre já num mundo que não criamos, com possibilidades e limitações que não escolhemos. A ansiedade traz essa condição à tona, tornando o Dasein agudamente consciente da sua facticidade — os aspectos imutáveis da sua existência, como o seu nascimento, o seu contexto histórico e a sua morte inevitável.
  2. Ser-no-mundo como um todo: Na ansiedade, o mundo como um todo é desvelado de uma nova maneira. Normalmente, estamos envolvidos com tarefas específicas e a nossa atenção é direcionada para coisas particulares no mundo. A ansiedade, no entanto, interrompe esse envolvimento. O mundo não desaparece, mas é visto sob uma nova luz — tudo parece estranho e desconcertante. Esta Unheimlichkeit (inquietante) não é apenas um sentimento, mas uma revelação da verdadeira natureza do mundo como algo que não possui um significado inerente, mas que adquire sentido apenas através do envolvimento do Dasein.
  3. Possibilidade de ser: A ansiedade revela a possibilidade de ser do Dasein. Ela força o Dasein a confrontar a sua própria existência, não como um conjunto de possibilidades realizadas, mas como um ser definido pelas suas possibilidades futuras. Na ansiedade, o Dasein torna-se consciente da sua liberdade de escolher entre essas possibilidades e da responsabilidade que vem com essa liberdade. Essa consciência é o que Heidegger refere como o ser-para-a-morte do Dasein — o reconhecimento de que o Dasein está sempre a mover-se em direção ao seu próprio não-ser, o que confere urgência e significado às suas escolhas.

Ansiedade e Decadência

A ansiedade também tem uma relação crucial com o conceito de decadência (Verfallenheit), que descreve a tendência do Dasein para se absorver no mundo cotidiano de normas sociais e preocupações práticas. Na vida cotidiana, o Dasein frequentemente foge das percepções reveladas pela ansiedade. Ele se afasta da inquietação da sua existência e busca refúgio nas rotinas familiares do "impessoal" (das Man) — a ordem social impessoal que dita como devemos pensar, agir e sentir.
No entanto, a ansiedade interrompe essa decadência. Ela perturba a absorção do Dasein no mundo cotidiano e obriga-o a confrontar a sua própria existência. Este confronto pode ser profundamente perturbador, pois revela a falta de fundamento das normas sociais e preocupações práticas que geralmente orientam as nossas vidas. A ansiedade mostra que essas normas não estão enraizadas em nenhuma realidade última, mas são simplesmente formas pelas quais o Dasein evita enfrentar a sua própria possibilidade de ser.
A decadência, então, pode ser vista como uma resposta às percepções perturbadoras da ansiedade. Na vida cotidiana, o Dasein tenta encobrir a ansiedade que sempre espreita em segundo plano, imergindo-se no familiar e na rotina. Mas a ansiedade é sempre uma possibilidade para o Dasein, e quando ela se manifesta, revela a inautenticidade dessa imersão. Ela expõe o fato de que o Dasein está a fugir da sua própria potencialidade para uma existência autêntica.

Ansiedade, Autenticidade e Liberdade

Um dos aspectos mais significativos da ansiedade no pensamento de Heidegger é a sua conexão com a autenticidade. Para Heidegger, a autenticidade não se trata de viver de acordo com algum padrão externo ou código moral. Em vez disso, trata-se de viver de uma maneira que seja fiel à própria potencialidade de ser do Dasein. A ansiedade é a disposição que torna a autenticidade possível porque revela a contingência do mundo cotidiano e a liberdade do Dasein para escolher o seu próprio caminho.
Na ansiedade, o Dasein é confrontado com a sua própria liberdade. Ele percebe que as estruturas do mundo cotidiano — as normas, papéis e expectativas que geralmente guiam as suas ações — não são fixas ou necessárias. São simplesmente formas pelas quais o Dasein escolheu interpretar a sua existência. Esta realização pode ser tanto libertadora quanto aterradora. Por um lado, ela abre a possibilidade de escolher uma nova forma de ser, mais alinhada com a verdadeira natureza do Dasein. Por outro lado, revela a responsabilidade que vem com essa liberdade, pois o Dasein percebe que é, em última instância, responsável pelas escolhas que faz.
Heidegger argumenta que a experiência da ansiedade é essencial para que o Dasein atinja a autenticidade. É apenas através da ansiedade que o Dasein pode libertar-se das formas inautênticas de ser impostas pelo "impessoal" e assumir a responsabilidade pela sua própria existência. Nesse sentido, a ansiedade não é algo a ser evitado, mas uma parte necessária da jornada do Dasein rumo à autenticidade.

Ansiedade e Morte

Outro aspecto crucial da ansiedade no pensamento de Heidegger é a sua conexão com o conceito de ser-para-a-morte. Na ansiedade, o Dasein torna-se consciente da sua própria finitude. Ele percebe que a sua existência está sempre orientada para o seu próprio fim — a morte. Esta consciência não é simplesmente o reconhecimento de um evento futuro, mas um aspecto fundamental do ser do Dasein. Para Heidegger, o ser-para-a-morte é o que dá à vida do Dasein o seu sentido e significado últimos.
A ansiedade, ao revelar o ser-para-a-morte do Dasein, força-o a confrontar o fato de que não é apenas uma série de momentos presentes, mas um ser que está sempre a projetar-se no futuro. Esta projeção não é infinita, mas está sempre limitada pela possibilidade da morte. Desta forma, a ansiedade revela a natureza temporal da existência do Dasein — ele é sempre um ser-para-o-fim.
Heidegger argumenta que esta consciência da morte é essencial para viver uma vida autêntica. É apenas ao reconhecer a finitude da sua existência que o Dasein pode apreciar plenamente a significância das suas escolhas e ações. A morte não é algo a ser temido ou evitado, mas é uma parte necessária do que significa ser humano. Nesse sentido, a ansiedade é uma porta de entrada para uma compreensão mais profunda da existência do Dasein e das suas possibilidades últimas.

Conclusão

A ansiedade, ou Angst, desempenha um papel central na análise existencial da existência humana de Heidegger. Ela não é apenas mais uma disposição ou emoção, mas uma disposição fundamental que revela a verdadeira natureza do Dasein. Através da ansiedade, o Dasein torna-se consciente da sua facticidade, do seu ser-no-mundo e da sua possibilidade de ser. A ansiedade interrompe a imersão do Dasein no mundo cotidiano, revelando a inautenticidade da decadência e abrindo a possibilidade de uma existência autêntica.
A ansiedade também revela o ser-para-a-morte do Dasein, forçando-o a confrontar a finitude da sua existência e a significância das suas escolhas. Desta forma, a ansiedade é uma experiência ao mesmo tempo profundamente perturbadora e profundamente reveladora. É através da ansiedade que o Dasein pode alcançar a autenticidade, assumindo a responsabilidade pela sua própria existência e vivendo de uma maneira que seja fiel à sua própria potencialidade de ser.
No pensamento de Heidegger, a ansiedade não é algo a ser evitado, mas uma parte necessária da condição humana. É através da ansiedade que podemos compreender a verdadeira natureza da nossa existência e as possibilidades que nos estão abertas.

Referência:
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Elpidorou, A., & Freeman, L. (n.d.). Affectivity in Heidegger I: Moods and emotions in Being and Time. PhilArchive. Retrieved from https://philarchive.org/archive/ELPAIH
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