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Imagem do filme Mr. Nobody 2009 O filme de 2009 Mr. Nobody, dirigido por Jaco Van Dormael, é uma meditação sobre a natureza da escolha, da existência e da experiência humana. Através de seu protagonista, Nemo Nobody, o filme explora as consequências labirínticas de nossas decisões e investiga o dilema existencial de que toda escolha que fazemos envolve a renúncia a inúmeras outras possibilidades. Como psicóloga, essa narrativa oferece uma perspectiva interessante para examinar o peso da escolha humana e a filosofia existencialista que sustenta nossa compreensão do significado da vida. O Fardo da Escolha Mr. Nobody apresenta a ideia de que toda escolha é uma renúncia a infinitas outras possibilidades. O filme começa com o personagem principal, Nemo Nobody, enfrentando uma decisão crítica na infância: ficar com sua mãe ou seu pai após a separação deles. O filme então se ramifica em múltiplos futuros potenciais, ilustrando como cada escolha leva a um caminho distinto, um conceito profundamente enraizado no pensamento existencialista. Na filosofia existencialista, particularmente nas obras de Jean-Paul Sartre, a ideia de "a existência precede a essência" postula que os indivíduos nascem sem um propósito predeterminado e devem criar sua essência através de escolhas. Essa liberdade de escolher é tanto uma bênção quanto uma maldição, pois coloca o fardo da responsabilidade no indivíduo. Cada decisão exclui inúmeras alternativas, levando à inevitável questão: "E se?" As várias vidas de Nemo no filme refletem essa ansiedade existencial. Em cada cenário, ele experimenta diferentes desfechos, desde um amor profundo até uma perda devastadora. No entanto, o que permanece constante em todas essas narrativas é a sensação de incompletude—não importa qual caminho Nemo escolha, ele sempre é assombrado pelos caminhos que não escolheu. Isso se alinha com a noção de "má-fé" de Sartre, onde o indivíduo se engana ao acreditar que não tem a liberdade de escolher de maneira diferente, evitando assim a ansiedade que acompanha a verdadeira liberdade. A Noção de "Má-Fé" e "Náusea" de Sartre O conceito de "má-fé" (mauvaise foi) de Sartre refere-se a uma forma de autoengano em que os indivíduos negam sua própria liberdade e responsabilidade, convencendo-se de que são limitados por circunstâncias, papéis ou forças externas que restringem sua capacidade de escolha. Essa negação lhes permite escapar da ansiedade e responsabilidade que acompanham a verdadeira liberdade, mas também leva a sentimentos de inautenticidade, arrependimento e até o que Sartre descreve como "náusea." "Náusea," na filosofia de Sartre, é uma metáfora para o desconforto profundo e a realização existencial que surge quando confrontamos a liberdade absoluta que possuímos. Quando alguém que vive em "má-fé" eventualmente percebe que poderia ter escolhido de maneira diferente, pode experimentar arrependimento ou culpa, resultantes da consciência de que não estava realmente constrangido—simplesmente escolheu ignorar sua liberdade. Em Mr. Nobody, Nemo personifica essa luta enquanto contempla as muitas vidas possíveis que poderia levar com base em diferentes escolhas. A constante consciência dos caminhos não escolhidos pode evocar um sentimento de "náusea"—uma realização paralisante de sua liberdade absoluta e do peso de escolher um caminho em detrimento de outro. Cada escolha que ele faz fecha outras possibilidades, levando à ansiedade existencial de saber que deve viver com as consequências dessas decisões. Tempo Finito e Escolhas Infinitas Como mortais, nossas vidas são limitadas pelo tempo, tornando a exploração da escolha em Mr. Nobody ainda mais angustiante. O filme sugere que temos uma quantidade finita de tempo para viver, e dentro desse espaço limitado, devemos tomar decisões que definirão nossa existência. A percepção de que toda decisão que tomamos necessariamente fecha outras possibilidades pode levar ao pavor existencial—o medo de que possamos desperdiçar nossa única chance de vida fazendo as escolhas "erradas." Esse medo é agravado pelo fato de que a vida em si é incerta e imprevisível. Mesmo com as melhores intenções e planejamento cuidadoso, os resultados de nossas decisões muitas vezes estão além do nosso controle. Essa imprevisibilidade é um tema central na filosofia existencialista, onde a absurdidade da vida é reconhecida: o mundo é inerentemente caótico, e o significado não é preordenado, mas algo que devemos criar por nós mesmos. As múltiplas vidas de Nemo ilustram a imprevisibilidade da existência humana. Apesar de fazer diferentes escolhas, ele não pode escapar da verdade existencial de que todos os caminhos envolvem tanto alegria quanto sofrimento. O filme sugere que não há uma escolha "certa," pois todo caminho de vida envolverá algum grau de dor, perda e arrependimento. Este é um insight existencial crítico: que a vida não é sobre escolher o "caminho certo," mas sim sobre abraçar a liberdade de escolher e aceitar as consequências. Liberdade Existencial e a Busca por Significado Um dos aspectos mais cativantes de Mr. Nobody é sua exploração da liberdade existencial. Nemo, em suas várias vidas, representa a liberdade máxima de escolha—ele pode viver múltiplas realidades, cada uma com suas próprias experiências únicas. No entanto, essa liberdade também é uma fonte de angústia existencial, pois destaca a incerteza fundamental da existência. Se toda escolha é igualmente válida, como encontramos significado na vida? Os existencialistas argumentam que o significado não é inerente ao mundo, mas algo que devemos criar para nós mesmos. Essa ideia é ecoada em Mr. Nobody através da jornada de autodescoberta de Nemo. Em cada vida, ele busca amor, felicidade e propósito, mas também confronta a falta de sentido inerente à existência. É apenas ao aceitar essa falta de sentido que Nemo pode transcender sua crise existencial. O filme sugere que a busca por significado é uma jornada profundamente pessoal. As várias vidas de Nemo mostram que o significado não é algo a ser encontrado em realizações externas ou relacionamentos, mas sim na aceitação da própria liberdade e na coragem de viver de forma autêntica. Esta é uma ideia chave do existencialismo: que a verdadeira liberdade vem de abraçar a absurdidade da vida e encontrar significado em nossas próprias escolhas, mesmo diante da incerteza.
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Foto tirada pela autora desta publicação: Fall von Babylon (1884) - Königliche Museen der Schönen Künste em BruxelasIntrodução
A objetificação do corpo é uma questão profundamente enraizada nas estruturas sociais e culturais que moldam nossa sociedade. Como psicóloga clínica, frequentemente percebo como essa objetificação impacta a saúde mental de muitas pessoas, especialmente na forma de transtornos alimentares. Estes, por sua vez, refletem um distanciamento doloroso entre o ser e o corpo, uma desconexão que muitas vezes é alimentada por padrões estéticos inatingíveis e em constante mudança ao longo da história. Neste artigo, explorarei essas dinâmicas sob a perspectiva da Daseinsanalyse, destacando o conceito de corporeidade de Martin Heidegger e a evolução dos padrões estéticos em diferentes contextos históricos. A Evolução dos Padrões Estéticos Os padrões estéticos, têm variado significativamente ao longo da história, refletindo as condições socioeconômicas, políticas e culturais de cada época. Esses padrões não são estáticos; eles mudam com o tempo, influenciando e sendo influenciados pelas dinâmicas de poder e pelos ideais de beleza predominantes. No período clássico da Grécia Antiga, a beleza era muitas vezes associada à simetria e à proporção, refletindo ideais de equilíbrio e harmonia. O corpo era valorizado tanto por sua função reprodutiva quanto por sua capacidade de representar o ideal de beleza. Durante a Renascença, esses ideais se intensificaram, com o corpo sendo exaltado como uma obra de arte. No entanto, esse culto à forma física era reservado a uma elite, e o corpo era frequentemente objetificado como símbolo de perfeição estética. No século XIX, especialmente durante a Era Vitoriana, o corpo passou por uma transformação simbólica. A sociedade esperava que as pessoas, especialmente as mulheres, adotassem um ideal de fragilidade e delicadeza, refletido na prática do uso de espartilhos para moldar o corpo em uma forma estreita e curvilínea. O ideal de beleza feminino incluía uma cintura pequena e quadris largos, representando tanto a fertilidade quanto a pureza. Esse período reforçou a ideia de que o corpo deveria ser moldado e controlado para se adequar aos padrões de beleza dominantes, muitas vezes à custa da saúde e do bem-estar. Com o advento do século XX, os padrões estéticos continuaram a mudar radicalmente. A década de 1920, por exemplo, viu a ascensão das "flappers", que desafiaram os ideais anteriores com seus corpos esguios e andróginos, simbolizando uma nova liberdade e rejeição das normas vitorianas. No entanto, com o passar das décadas, o ideal de corpo passou a oscilar entre a magreza extrema e o corpo voluptuoso, refletindo as mudanças econômicas e culturais. Nos anos 1980 e 1990, a cultura fitness e a valorização de um corpo atlético e magro tornaram-se dominantes, alimentando uma obsessão com o controle do peso e a aparência física. No século XXI, embora haja uma maior celebração da diversidade corporal e uma crescente conscientização sobre os perigos da objetificação, as pressões para se adequar a certos padrões de beleza continuam fortes. A mídia e as redes sociais desempenham um papel significativo na perpetuação desses padrões, ao mesmo tempo que promovem mensagens contraditórias sobre aceitação e mudança corporal. Muitas pessoas, especialmente os jovens, continuam a enfrentar uma dicotomia entre a aceitação de seus corpos como são e a pressão para moldá-los de acordo com ideais muitas vezes inatingíveis. As mídias sociais reforçam esses padrões e muitas vezes geram comparações estéticas irreais e obsessivas. Corporeidade em Heidegger e a Daseinsanalyse Martin Heidegger, em sua obra “Ser e Tempo”, introduz o conceito de "corporeidade" (Leiblichkeit) como uma dimensão fundamental do ser-no-mundo (Dasein). Para Heidegger, o corpo não é simplesmente uma coisa entre outras coisas, nem um objeto isolado que possuímos, mas uma parte essencial de como existimos e nos relacionamos com o mundo. A corporeidade, então, é a maneira pela qual o Dasein se apresenta no mundo, experienciando e interagindo com ele de forma integral. Na Daseinsanalyse, o corpo é visto como um aspecto fundamental do ser-no-mundo, onde a experiência corporal não pode ser separada da experiência existencial. Em outras palavras, como vivenciamos nosso corpo está profundamente ligado a como nos percebemos e nos situamos no mundo. Quando o corpo é objetificado, como muitas vezes acontece, essa relação autêntica com o corpo é perturbada, levando a uma alienação que pode se manifestar em transtornos alimentares e outros problemas de saúde mental. Na perspectiva heideggeriana, o corpo é uma expressão do ser-no-mundo, uma forma de estar no mundo que não pode ser reduzida a uma mera entidade física. O corpo, para Heidegger, é onde o ser humano encontra e experimenta o mundo; é através do corpo que percebemos, sentimos e interagimos com a realidade ao nosso redor. Assim, a relação que temos com nosso corpo reflete a relação que temos com o mundo e com nós mesmos. Quando o corpo é objetificado, essa relação autêntica é interrompida. Em vez de ser uma expressão do ser, o corpo é transformado em um objeto para ser visto, avaliado e controlado. Isso leva a um distanciamento entre o ser e o corpo, uma desconexão que é muitas vezes experienciada como alienação e que pode resultar em transtornos alimentares. Transtornos Alimentares como Reflexo da Alienação Os transtornos alimentares podem ser vistos como uma manifestação dessa alienação. Quando indivíduos internalizam os padrões sociais de beleza e começam a ver seus corpos como objetos a serem moldados de acordo com esses padrões, ocorre um distanciamento da autenticidade, e o corpo passa a ser experienciado como algo separado do próprio ser. Essa alienação é frequentemente acompanhada por sentimentos de inadequação, vergonha e um desejo intenso de controle, que se manifesta em comportamentos como a restrição alimentar, a purgação ou a compulsão alimentar. Na prática clínica, é essencial abordar essa desconexão entre o ser e o corpo. A Daseinsanalyse oferece uma abordagem para ajudar as pessoas a reconectar-se com seus corpos de forma autêntica, reconhecendo o corpo não como um objeto, mas como uma parte integral de quem elas são. Essa reconexão pode ser um passo crucial na recuperação de transtornos alimentares, permitindo uma relação mais saudável e equilibrada com o corpo e com o mundo. Intervenções Clínicas Baseadas na Daseinsanalyse Na prática clínica, a Daseinsanalyse oferece várias estratégias para ajudar a lidar com a objetificação e os transtornos alimentares. Essas estratégias focam na ressignificação da relação com o corpo e na promoção de uma existência mais autêntica e integrada. Ressignificação do Corpo Uma das principais intervenções na Daseinsanalyse é ajudar a ressignificar a relação com o corpo. Isso envolve um processo de desconstrução dos padrões sociais internalizados e a reconstrução de uma relação mais autêntica e saudável com o corpo. O objetivo é que o corpo seja visto não como um objeto a ser controlado ou moldado, mas como uma parte essencial de quem se é. Esse processo pode envolver exercícios de mindfulness e consciência corporal, onde as pessoas são encorajadas a se reconectar com as sensações físicas e a experimentar o corpo de uma maneira nova, livre das pressões externas. Isso pode ajudar a quebrar o ciclo de autocrítica e controle obsessivo, permitindo que se recupere uma sensação de pertencimento e aceitação. Autoconhecimento e Autenticidade Outro aspecto importante da intervenção é o foco no autoconhecimento e na autenticidade. A Daseinsanalyse incentiva a exploração de quem se é, independentemente dos padrões sociais de beleza e comportamento. Isso envolve uma reflexão profunda sobre os valores e as crenças que sustentam a autoimagem e a construção de uma identidade que seja fiel à sua essência. Na prática clínica, isso pode ser facilitado através de diálogos terapêuticos que desafiam as narrativas internalizadas sobre o corpo e a aparência. As pessoas são encorajadas a questionar os "deverias" impostos pela sociedade e a descobrir o que realmente importa para elas. Esse processo pode ser libertador, permitindo que se liberte das amarras das expectativas externas e viva de acordo com seus próprios valores e desejos. Empoderamento e Autonomia O empoderamento é um componente crucial da Daseinsanalyse. Na terapia, o objetivo é fortalecer a autonomia, ajudando a desenvolver a capacidade de fazer escolhas que reflitam desejos genuínos, em vez de se conformar às expectativas sociais. O empoderamento envolve a construção de uma nova narrativa sobre o corpo e a identidade, onde se torna protagonista da própria vida. Essa abordagem pode incluir o desenvolvimento de habilidades de assertividade, onde se aprende a expressar necessidades e desejos de maneira clara e confiante. Também pode envolver o trabalho com a autoestima, ajudando a reconhecer o valor intrínseco e a se defender contra a objetificação e a crítica externa. Reconexão com o Corpo A Daseinsanalyse enfatiza a importância da reconexão com o corpo. Isso significa redescobrir o corpo como uma fonte de prazer e bem-estar, em vez de um objeto de controle ou punição. A terapia pode incluir práticas que promovam uma experiência positiva do corpo, como atividades físicas prazerosas, técnicas de relaxamento e exercícios de atenção plena que enfoquem a aceitação corporal. A reconexão com o corpo também envolve a exploração dos sentimentos e emoções que foram reprimidos ou negados. Muitas vezes, os transtornos alimentares estão ligados a uma desconexão emocional, onde o controle alimentar é usado como uma forma de lidar com emoções difíceis. Na terapia, é importante ajudar a identificar e expressar essas emoções de maneiras mais saudáveis, permitindo uma maior integração entre corpo e mente. Considerações Finais A objetificação do corpo e os transtornos alimentares são questões profundamente interligadas que refletem uma desconexão entre o ser e o corpo. Na perspectiva da Daseinsanalyse, essa desconexão é vista como uma forma de alienação, onde o corpo é transformado de uma expressão autêntica do ser em um objeto de controle e avaliação. Para superar essa alienação, a prática clínica deve focar na ressignificação da relação com o corpo, promovendo o autoconhecimento, a autenticidade e o empoderamento. Ao reconectar-se com o corpo de forma mais saudável e integrada, é possível recuperar a relação com o mundo e consigo mesmo, promovendo uma existência mais plena e autêntica. Se você se identifica com essas questões, saiba que existe ajuda disponível. A terapia pode ser um espaço seguro para explorar e transformar sua relação com o corpo, permitindo que viva de maneira mais livre e autêntica, livre das imposições e expectativas externas. O caminho para a recuperação é desafiador, mas com o apoio certo, é possível alcançar uma vida de maior bem-estar e satisfação.
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Ramificação de escolhas representada em uma árvore — foto tirada pelo autor deste texto, Amsterdã, Países Baixos." Ansiedade, ou Angst, ocupa um lugar central na análise existencial da existência humana de Martin Heidegger, tal como apresentada em Ser e Tempo. Heidegger vê a ansiedade não apenas como mais um estado emocional, mas como uma disposição fundamental (Grundbefindlichkeit) que revela verdades profundas sobre a natureza da existência humana. Ao contrário de outros estados emocionais ou disposições, a ansiedade desempenha um papel único ao revelar as estruturas essenciais do Dasein — o termo heideggeriano para o ser humano como "ser-aí" ou "ser-no-mundo". Compreender a ansiedade é crucial para entender o projeto filosófico mais amplo de Heidegger, que visa explorar o sentido do Ser ao analisar as condições da existência humana.
O Contexto Ontológico da Ansiedade Para apreciar a importância da ansiedade no pensamento de Heidegger, é essencial situá-la no contexto mais amplo do seu projeto de ontologia fundamental. Em Ser e Tempo, o objetivo principal de Heidegger é investigar o sentido do Ser. Ele faz isso ao concentrar-se no Dasein, a entidade para quem a questão do Ser é uma preocupação. Heidegger redefine o ser humano, não como um sujeito com atributos, mas como Dasein, um ser que está sempre situado num contexto específico, com a sua existência a ser-lhe desvelada de várias maneiras. Grande parte de Ser e Tempo é uma exploração de como o Dasein existe no mundo. Heidegger examina o que significa para o Dasein ser e como a sua existência se desvela. Ele introduz o conceito de desvelamento (Erschlossenheit) para descrever como o "ser-aí" do Dasein se torna aparente para si mesmo. Para Heidegger, a existência humana é fundamentalmente uma existência mundana; o Dasein está sempre já embutido numa teia complexa de relações e envolvimentos com o mundo. Heidegger identifica quatro estruturas básicas, ou "existenciais", que constituem ontologicamente o Dasein: Befindlichkeit (disposição), compreensão (Verstehen), decadência (Verfallenheit), e discurso (Rede). Estas estruturas estão unificadas no quadro ontológico do Dasein, conhecido como "cuidado" (Sorge), que revela o ser-no-mundo do Dasein como intrinsecamente temporal. A ansiedade está profundamente conectada a estas estruturas, particularmente à Befindlichkeit e à decadência. Ansiedade como Disposição Fundamental A ansiedade é uma disposição fundamental (Grundbefindlichkeit) na análise de Heidegger porque revela a verdadeira natureza do Dasein de uma forma que outras disposições não conseguem. Ao contrário de outras disposições, que podem desvelar aspectos do mundo ou das nossas relações com os outros, a ansiedade desvela a própria estrutura da nossa existência. Ela faz isso ao retirar os significados e significâncias familiares que normalmente caracterizam as nossas experiências cotidianas. Na vida cotidiana, estamos absorvidos nas preocupações práticas e nos envolvimentos sociais. Interagimos com os objetos e as pessoas ao nosso redor de maneiras que são guiadas pelos nossos objetivos imediatos, desejos e normas sociais. No entanto, na disposição de ansiedade, essas preocupações cotidianas perdem o seu domínio sobre nós. O mundo não desaparece, mas torna-se estranho, inquietante e familiar de uma nova forma. Os objetos e pessoas que normalmente compõem o nosso mundo parecem perder o seu significado. Esta transformação do mundo revela algo fundamental sobre o Dasein: que a sua existência não é definida por essas preocupações cotidianas, mas por algo mais profundo — o seu ser-para-a-morte e a sua capacidade de existência autêntica. A Natureza Reveladora da Ansiedade Heidegger argumenta que a ansiedade revela três características chave da existência do Dasein: a sua facticidade (Geworfenheit), o seu ser-no-mundo como um todo, e a sua possibilidade de ser.
A ansiedade também tem uma relação crucial com o conceito de decadência (Verfallenheit), que descreve a tendência do Dasein para se absorver no mundo cotidiano de normas sociais e preocupações práticas. Na vida cotidiana, o Dasein frequentemente foge das percepções reveladas pela ansiedade. Ele se afasta da inquietação da sua existência e busca refúgio nas rotinas familiares do "impessoal" (das Man) — a ordem social impessoal que dita como devemos pensar, agir e sentir. No entanto, a ansiedade interrompe essa decadência. Ela perturba a absorção do Dasein no mundo cotidiano e obriga-o a confrontar a sua própria existência. Este confronto pode ser profundamente perturbador, pois revela a falta de fundamento das normas sociais e preocupações práticas que geralmente orientam as nossas vidas. A ansiedade mostra que essas normas não estão enraizadas em nenhuma realidade última, mas são simplesmente formas pelas quais o Dasein evita enfrentar a sua própria possibilidade de ser. A decadência, então, pode ser vista como uma resposta às percepções perturbadoras da ansiedade. Na vida cotidiana, o Dasein tenta encobrir a ansiedade que sempre espreita em segundo plano, imergindo-se no familiar e na rotina. Mas a ansiedade é sempre uma possibilidade para o Dasein, e quando ela se manifesta, revela a inautenticidade dessa imersão. Ela expõe o fato de que o Dasein está a fugir da sua própria potencialidade para uma existência autêntica. Ansiedade, Autenticidade e Liberdade Um dos aspectos mais significativos da ansiedade no pensamento de Heidegger é a sua conexão com a autenticidade. Para Heidegger, a autenticidade não se trata de viver de acordo com algum padrão externo ou código moral. Em vez disso, trata-se de viver de uma maneira que seja fiel à própria potencialidade de ser do Dasein. A ansiedade é a disposição que torna a autenticidade possível porque revela a contingência do mundo cotidiano e a liberdade do Dasein para escolher o seu próprio caminho. Na ansiedade, o Dasein é confrontado com a sua própria liberdade. Ele percebe que as estruturas do mundo cotidiano — as normas, papéis e expectativas que geralmente guiam as suas ações — não são fixas ou necessárias. São simplesmente formas pelas quais o Dasein escolheu interpretar a sua existência. Esta realização pode ser tanto libertadora quanto aterradora. Por um lado, ela abre a possibilidade de escolher uma nova forma de ser, mais alinhada com a verdadeira natureza do Dasein. Por outro lado, revela a responsabilidade que vem com essa liberdade, pois o Dasein percebe que é, em última instância, responsável pelas escolhas que faz. Heidegger argumenta que a experiência da ansiedade é essencial para que o Dasein atinja a autenticidade. É apenas através da ansiedade que o Dasein pode libertar-se das formas inautênticas de ser impostas pelo "impessoal" e assumir a responsabilidade pela sua própria existência. Nesse sentido, a ansiedade não é algo a ser evitado, mas uma parte necessária da jornada do Dasein rumo à autenticidade. Ansiedade e Morte Outro aspecto crucial da ansiedade no pensamento de Heidegger é a sua conexão com o conceito de ser-para-a-morte. Na ansiedade, o Dasein torna-se consciente da sua própria finitude. Ele percebe que a sua existência está sempre orientada para o seu próprio fim — a morte. Esta consciência não é simplesmente o reconhecimento de um evento futuro, mas um aspecto fundamental do ser do Dasein. Para Heidegger, o ser-para-a-morte é o que dá à vida do Dasein o seu sentido e significado últimos. A ansiedade, ao revelar o ser-para-a-morte do Dasein, força-o a confrontar o fato de que não é apenas uma série de momentos presentes, mas um ser que está sempre a projetar-se no futuro. Esta projeção não é infinita, mas está sempre limitada pela possibilidade da morte. Desta forma, a ansiedade revela a natureza temporal da existência do Dasein — ele é sempre um ser-para-o-fim. Heidegger argumenta que esta consciência da morte é essencial para viver uma vida autêntica. É apenas ao reconhecer a finitude da sua existência que o Dasein pode apreciar plenamente a significância das suas escolhas e ações. A morte não é algo a ser temido ou evitado, mas é uma parte necessária do que significa ser humano. Nesse sentido, a ansiedade é uma porta de entrada para uma compreensão mais profunda da existência do Dasein e das suas possibilidades últimas. Conclusão A ansiedade, ou Angst, desempenha um papel central na análise existencial da existência humana de Heidegger. Ela não é apenas mais uma disposição ou emoção, mas uma disposição fundamental que revela a verdadeira natureza do Dasein. Através da ansiedade, o Dasein torna-se consciente da sua facticidade, do seu ser-no-mundo e da sua possibilidade de ser. A ansiedade interrompe a imersão do Dasein no mundo cotidiano, revelando a inautenticidade da decadência e abrindo a possibilidade de uma existência autêntica. A ansiedade também revela o ser-para-a-morte do Dasein, forçando-o a confrontar a finitude da sua existência e a significância das suas escolhas. Desta forma, a ansiedade é uma experiência ao mesmo tempo profundamente perturbadora e profundamente reveladora. É através da ansiedade que o Dasein pode alcançar a autenticidade, assumindo a responsabilidade pela sua própria existência e vivendo de uma maneira que seja fiel à sua própria potencialidade de ser. No pensamento de Heidegger, a ansiedade não é algo a ser evitado, mas uma parte necessária da condição humana. É através da ansiedade que podemos compreender a verdadeira natureza da nossa existência e as possibilidades que nos estão abertas. Referência: Elpidorou, A., & Freeman, L. (n.d.). Affectivity in Heidegger I: Moods and emotions in Being and Time. PhilArchive. Retrieved from https://philarchive.org/archive/ELPAIH
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O Conceito Sartriano de ''Mauvaise foi''8/22/2024 O caminho fácil e o difícil — Malmö, Suécia (foto tirada pelo autor desta publicação O conceito de "má-fé" (mauvaise foi) é uma das ideias centrais na filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre. Refere-se ao fenômeno em que um indivíduo engana a si mesmo para evitar reconhecer uma verdade desconfortável sobre sua própria liberdade e responsabilidade.
Liberdade Radical e ResponsabilidadeNo núcleo do existencialismo de Sartre está a ideia de que os seres humanos são radicalmente livres. Ao contrário dos objetos inanimados ou animais, os humanos não estão presos a uma essência ou propósito fixo. Em vez disso, somos livres para nos definir através de nossas escolhas e ações. No entanto, essa liberdade vem com um fardo pesado: a responsabilidade. Como somos livres para escolher, também somos responsáveis pelas consequências de nossas escolhas e, por extensão, pelo significado e direção de nossas vidas. A Ansiedade da LiberdadeEssa liberdade radical pode ser profundamente perturbadora. Sartre descreve a sensação de ansiedade (ou "angústia") que surge quando confrontamos o fato de que não há um caminho predeterminado ou essência que dite como devemos viver. Estamos sozinhos ao fazer escolhas, e não há uma autoridade superior ou lei moral universal para nos guiar. Essa realização pode ser esmagadora, levando a um desejo de escapar do peso da liberdade e da responsabilidade. Má-Fé como Autoengano"Má-fé" é o ato de enganar a si mesmo para escapar da ansiedade que vem com a liberdade. Ocorre quando uma pessoa mente para si mesma para evitar enfrentar a verdade da sua situação—que ela é livre e, portanto, responsável por suas ações e sua vida. Existem várias maneiras pelas quais as pessoas praticam a má-fé:
Para viver de forma autêntica, segundo Sartre, é preciso reconhecer e abraçar sua liberdade e a responsabilidade que vem com ela. Isso significa aceitar que somos os autores de nossas próprias vidas, fazendo escolhas que definem quem somos e o que nossas vidas serão. A autenticidade envolve reconhecer nossa liberdade, enfrentar a ansiedade que a acompanha e fazer escolhas conscientes alinhadas com nossos verdadeiros valores e desejos, em vez de conformar-se às pressões externas ou enganar a si mesmo. Má-fé é uma maneira de escapar da verdade sobre nossa liberdade e responsabilidade, mentindo para nós mesmos. Isso nos impede de viver de forma autêntica e de realizar plenamente nosso potencial como seres livres. Você identifica algum âmbito da sua vida em que está agindo de má-fé? A terapia pode te auxiliar nesse processo.
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Construção inacabada ao pôr do sol, Malmö-Suécia — foto tirada pelo autor desta publicação. A procrastinação é uma experiência comum que a maioria das pessoas já enfrentou em algum momento de suas vidas. Seja adiando uma tarefa no trabalho, postergando afazeres domésticos ou evitando conversas difíceis, a procrastinação pode impactar significativamente nossa produtividade e bem-estar. Como psicóloga, gostaria de explorar os mecanismos psicológicos por trás da procrastinação, particularmente o papel da dopamina, e fornecer estratégias para gerenciá-la no dia a dia. A dopamina é um neurotransmissor no cérebro que desempenha um papel crucial em como experimentamos prazer e recompensa. Quando nos envolvemos em atividades que gostamos, como comer uma refeição deliciosa, jogar um videogame ou navegar nas redes sociais, nosso cérebro libera dopamina. Essa liberação cria uma sensação de prazer e satisfação, encorajando-nos a repetir o comportamento no futuro. No contexto da procrastinação, a dopamina pode nos desviar do caminho. Quando enfrentamos uma tarefa desafiadora ou pouco agradável, o cérebro busca uma alternativa que forneça um estímulo de dopamina mais rápido e imediato. Em vez de começar aquele projeto difícil, podemos nos ver navegando na internet, assistindo TV ou nos envolvendo em outras atividades que oferecem gratificação instantânea. Essas atividades parecem boas no momento porque desencadeiam a liberação de dopamina, reforçando o comportamento, mesmo que isso aconteça às custas de nossos objetivos de longo prazo. Esse processo cria um ciclo vicioso: quanto mais procrastinamos e buscamos recompensas imediatas, mais nosso cérebro começa a associar essas recompensas à procrastinação. Com o tempo, isso pode tornar cada vez mais difícil romper o hábito, à medida que o cérebro se torna condicionado a priorizar o prazer de curto prazo em detrimento do sucesso de longo prazo. As Raízes Psicológicas da Procrastinação: Embora a dopamina desempenhe um papel significativo, a procrastinação muitas vezes tem raízes psicológicas mais profundas. Alguns fatores subjacentes comuns incluem:
Entender o papel da dopamina e as raízes psicológicas da procrastinação é o primeiro passo para superá-la. Aqui estão algumas estratégias práticas para ajudar a gerenciar a procrastinação no seu dia a dia:
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"Ser, é ser com os outros." - Ludwig Binswanger
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Narcisismo na obra de Lou Salomé8/22/2024 Introdução:
Lou Andreas-Salomé, uma figura ilustre no movimento psicanalítico inicial e contemporânea de Sigmund Freud, trilhou um caminho distinto no estudo da mente humana, entrelaçando as disciplinas da psicanálise, filosofia e literatura. Em uma era em que o pensamento psicanalítico estava florescendo, mas predominantemente moldado por perspectivas masculinas, o trabalho de Salomé destacou-se pela sua profundidade e originalidade. Sua abordagem sobre narcisismo marcou uma ruptura com as teorias de Freud sobre o assunto, oferecendo uma interpretação rica e multifacetada. Profundamente interessada nos temas do amor e do amor-próprio, Salomé embarcou em uma extensa exploração do narcisismo. Sua perspectiva era marcada por uma introspecção e um foco no eu, fornecendo um contraste marcante com a visão mais externa de Freud. Os insights de Salomé sobre o narcisismo foram ainda moldados por suas investigações em psicologia e filosofia, especialmente em relação ao narcisismo feminino e à sexualidade. Movida por uma busca pelo autoconhecimento e uma compreensão da inter-relação entre cognição e sexualidade, sua abordagem transcende os limites tradicionais da psicanálise. Essa exploração a levou a abordar as implicações mais amplas do narcisismo, expandindo seu escopo para além dos limites estabelecidos pela psicanálise. Além disso, as contribuições de Salomé para a compreensão do narcisismo foram reconhecidas e respeitadas dentro dos círculos psicanalíticos, graças não apenas às suas interações com intelectuais europeus notáveis, mas também aos seus profundos escritos. Ela criou imagens da “nova mulher”, que transcendia os prazeres carnais em busca de uma existência mais espiritual e procurava redefinir a sexualidade além das restrições das expectativas matrimoniais tradicionais. As Bases Filosóficas do Narcisismo: No cerne da filosofia de Salomé está sua nova interpretação do mito de Narciso. Divergindo da ênfase de Freud nos aspectos libidinais da autoimagem e no foco interno da energia sexual, Salomé via Narciso não apenas como uma figura de auto-admiração, mas como simbolizando a unidade do eu com a natureza. Em sua visão, Narciso, ao olhar para o “espelho da natureza”, via não apenas seu reflexo, mas “ele mesmo como tudo”. Essa perspectiva oferece uma compreensão mais abrangente do narcisismo, sugerindo que ele envolve mais do que auto-absorção — enfatiza uma relação harmoniosa entre o eu e o mundo exterior. Ela afirmou: “Uma mulher preserva seu narcisismo, enquanto um homem o perde e sempre sente nostalgia por ele” (Salomé, 1921). Essa distinção aponta para uma variação fundamental em como homens e mulheres experimentam e sustentam suas tendências narcisistas. Segundo Salomé, o narcisismo feminino é uma forma de autopreservação, uma característica vital que permite às mulheres manterem seu senso de identidade em meio às restrições sociais. Por outro lado, os homens tendem a perder esse aspecto de sua psique, experimentando um sentimento de incompletude por seu narcisismo perdido. Salomé examinou a expansão da libido narcisista em relação aos objetos externos. Ela propôs que o narcisismo não envolve apenas um foco no eu, mas também um engajamento dinâmico com o mundo exterior. Em sua visão, esse processo envolve o indivíduo interagindo com, capturando e incorporando objetos externos como parte integral de sua expressão narcisista. Essa perspectiva desafia as noções tradicionais de narcisismo como introspectivo e isolado, retratando-o como uma força ativa e expansiva. Ela argumenta que a autorreflexão e a autoconsciência emblemáticas do narcisismo não são meramente atos de auto-admiração ou egocentrismo. Ao contrário, representam um mergulho profundo nas experiências pessoais, emoções e pensamentos, que se tornam a fonte da expressão criativa. Essa exploração interior permite que artistas e pensadores acessem seu subconsciente, permitindo-lhes articular ideias e emoções complexas que ressoam em um nível universal. Apesar da natureza aparentemente solitária desse processo introspectivo, é através dessa jornada que os criadores podem forjar conexões com os outros. Salomé reconhecia a necessidade de um equilíbrio no processo criativo entre introspecção e abertura ao mundo exterior. Enquanto as tendências narcisistas alimentam a jornada criativa interna, ela reconhecia a importância de o artista ou intelectual permanecer receptivo a estímulos e influências externas. Esse equilíbrio garante que seu trabalho não seja apenas um reflexo de si mesmo, mas também uma resposta significativa ao mundo ao seu redor, ampliando sua relevância e impacto. Narcisismo nos relacionamentos: Ela observou que o narcisismo de um indivíduo pode ser uma atração poderosa para aqueles que, em sua própria busca por amor, renunciaram a parte de seu próprio narcisismo. Essa dinâmica sugere que, em relacionamentos, os traços narcisistas em uma pessoa podem satisfazer e ressoar com as necessidades emocionais e psicológicas de outra. Salomé comparou essa atração ao encanto de uma criança ou de certos animais, como gatos ou grandes predadores, cuja autossuficiência e inacessibilidade são cativantes. Salomé propôs que o amor, em essência, não deve ser visto como uma dissolução no outro, mas sim como um aprimoramento de si mesmo. Essa perspectiva desafia a noção de Freud de narcisismo secundário, que envolve uma regressão ao narcisismo primário e um desligamento do objeto amado. Em vez disso, Salomé via o narcisismo como conectado e expresso através dos relacionamentos. Salomé explorou o conceito do “ideal do eu” nas relações, particularmente no contexto do arquétipo da femme fatale. Ela sugeriu que o fascínio da femme fatale reside em sua encarnação de um ideal poderoso e inalcançável, refletindo dinâmicas complexas de admiração, desejo e narcisismo dentro da atração romântica. Perspectiva atual: O trabalho de Salomé sobre o narcisismo, particularmente suas opiniões sobre o narcisismo feminino e sua relação com a criatividade e os relacionamentos, tem sido reconhecido por sua abordagem inovadora. Sua exploração da natureza protetora e expansiva do narcisismo feminino ofereceu uma contranarrativa às percepções tradicionalmente negativas do conceito. Essa perspectiva contribuiu significativamente para a compreensão dos processos psicológicos específicos de gênero e influenciou discussões contemporâneas no campo. A evolução da recepção do trabalho de Lou Andreas-Salomé reflete uma mudança mais ampla no cenário intelectual, onde suas contribuições foram reavaliadas e reconhecidas por sua originalidade e perspicácia. Seus escritos, antes vistos como auxiliares aos trabalhos de seus colegas homens, agora são considerados contribuições significativas nos campos da psicanálise, feminismo e crítica literária. Referências:
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Foto tirada pela autora na Praia de Sibbarp, em Malmö Quando me mudei para a Suécia, escutei que deveria ser grata pela oportunidade de deixar o Brasil devido aos problemas políticos. Essa experiência me fez refletir sobre a dinâmica de poder implícita na imigração, e gostaria de compartilhar algumas reflexões sobre o tema.
Contexto Histórico e Econômico: A riqueza da Europa e seu avanço tecnológico e social foram viabilizados em grande parte pela exploração de colônias, e o modelo colonialista ainda se reflete na forma como as dinâmicas sociais são instauradas. Grande parte da riqueza europeia veio do ouro e da exploração mineral da América do Sul e da África. O modelo escravagista acabou, mas a dinâmica de explorar mão de obra barata de países de “terceiro mundo” ainda é real, e é o que viabiliza grande parte do lucro de multinacionais, que escolhem abrir suas fábricas em países com menos proteção trabalhista e menor custo de mão de obra. Na clínica discutir o horizonte histórico no qual estamos inseridos como sujeitos, e como o fato de sermos ‘jogados’ em um mundo com esses paradigmas pré-determinados se torna uma variável relevante na constituição da nossa personalidade e auto-percepção. Dinâmicas de Poder e Sentimento de Inferioridade Existe uma dinâmica de poder pré-instalado em nossa mente. Sentir-se inferior quando escutamos comentários desse tipo é muito comum, pelo que tenho observado na minha experiência e nos relatos clínicos. Muitas pessoas reportam medo de dizer de onde são e, com isso, sofrer rejeição e preconceito. Esse sentimento é válido e real. De fato, existe muito preconceito e ignorância, e infelizmente não podemos mudar o outro imediatamente, apenas filtrar melhor o que internalizamos e a forma como absorvemos esses comentários, para que isso não mine ainda mais nossa autoconfiança e prejudique o processo de adaptação a uma nova cultura. Lidar com o Preconceito e a Rejeição Em termos práticos, o colonialismo e o preconceito não deveriam existir, assim como a desigualdade entre países e guerras, que levam ao abismo de diferenças econômicas e à busca por segurança e melhores condições de vida que levam as pessoas a mudarem de país em muitos casos. O processo de conscientização é demorado e requer muita energia para mudar a perspectiva das pessoas ao nosso redor, além de não ser nossa responsabilidade educar outras pessoas sobre a realidade brasileira. Mas a dor da rejeição e do julgamento são sentimentos que precisam ser gerenciados da melhor forma possível. Para lidar com essas situações, é recomendável:
Com esses pontos em mente, podemos enfrentar melhor os desafios de viver em um novo país, fortalecendo nossa identidade e autoestima enquanto navegamos por essas complexas dinâmicas sociais.
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Síndrome do Impostor12/16/2023 Definição: O "Fenômeno do Impostor" foi descrito pela primeira vez pela Dra. Pauline Clance a partir de suas observações em um ambiente clínico (Clance, 1985). Indivíduos que experienciam o Fenômeno do Impostor sentem intensamente que suas conquistas são imerecidas e se preocupam em serem expostos como uma fraude. Isso resulta em angústia e comportamento mal adaptativo (por exemplo, Clance, 1985; Harvey & Katz, 1985; Kolligian & Sternberg, 1991; Sonnak & Towell, 2001). Inicialmente, acreditava-se que o Fenômeno do Impostor afetava apenas mulheres profissionais (Clance & Imes, 1978). No entanto, parece ser uma experiência generalizada. Pesquisas mostraram que o Impostorismo afeta uma ampla gama de pessoas em diferentes culturas (Chae, Piedmont, Estadt e Wicks, 1995; Clance, Dingman, Reviere e Stober, 1995). Estima-se que 70% das pessoas terão pelo menos um episódio desse Fenômeno do Impostor em suas vidas (Gravois, 2007). Harvey (1981) afirmou que qualquer um pode se ver como um impostor se não internalizar seu sucesso, e essa experiência não é limitada a indivíduos altamente bem-sucedidos. A maioria dos "Impostores" consegue cumprir suas exigências acadêmicas ou profissionais apesar de sua fraude auto-percebida. Sintomas subclínicos resultantes de medos de impostor, se prolongados, podem potencialmente levar a níveis clínicos de depressão ou ansiedade. Um maior entendimento dos fatores que contribuem para o Impostorismo e suas consequências pode levar a intervenções eficazes, reduzindo o sofrimento psicológico. Como Funciona Diariamente:
O Ciclo do Impostor, uma característica central do Fenômeno do Impostor, começa quando uma tarefa relacionada a uma conquista é atribuída. Indivíduos com medo impostor como traço experimentam sintomas relacionados à ansiedade, respondendo com superpreparação extrema ou procrastinação inicial seguida de preparação frenética. Após completar a tarefa, apesar do alívio inicial e da sensação de realização, e mesmo se receber feedback positivo, os impostores negam que seu sucesso seja devido à sua capacidade. Essa negação, seja atribuindo o sucesso ao trabalho árduo (no caso de superpreparação) ou à sorte (em casos de procrastinação), reforça o Ciclo do Impostor à medida que se repete com cada nova tarefa.
2. A Necessidade de Ser Especial ou o Melhor: Os impostores frequentemente abrigam secretamente a necessidade de superar seus colegas. Clance (1985) observou que impostores frequentemente eram os melhores de suas classes durante os anos escolares. No entanto, em ambientes maiores, como universidades, eles percebem que muitos são excepcionalmente talentosos, levando-os a desconsiderar suas próprias habilidades e a se sentirem estúpidos quando não são os melhores. 3. Aspectos de Superman/Supermulher: O Fenômeno do Impostor também se manifesta em tendências perfeccionistas. Impostores estabelecem padrões incrivelmente altos para si mesmos, levando a sentimentos de sobrecarga, decepção e se considerando fracassos quando não conseguem atender a esses padrões. 4. Medo de Falhar: Impostores experimentam uma ansiedade intensa e medo de falhar quando enfrentam tarefas relacionadas a conquistas. O medo de cometer erros e não atuar nos mais altos padrões traz sentimentos de vergonha e humilhação, muitas vezes levando-os a trabalhar excessivamente como medida preventiva contra o fracasso. 5. Negação de Competência e Desvalorização de Elogios: Impostores têm dificuldade em internalizar o sucesso e aceitar elogios. Eles atribuem seu sucesso mais a fatores externos em comparação com não impostores, desvalorizando feedback positivo e evidências de sucesso, enquanto focam em evidências que apoiam sua crença de que não merecem elogios ou créditos. 6. Medo e Culpa sobre o Sucesso: O sucesso dos impostores pode levar a sentimentos de medo e culpa, especialmente se seu sucesso for incomum em sua família ou grupo de colegas. Isso pode resultar em sentimentos de desconexão, preocupação com demandas e expectativas mais altas, e medo de serem expostos como uma fraude. Como Superar: Segurança Psicológica: Criar uma cultura organizacional onde a segurança psicológica é uma prioridade é fundamental. Conscientização: Estar ciente da existência da síndrome e de sua prevalência, especialmente no setor de tecnologia, é crucial para entender seus mecanismos e gatilhos. Falar Abertamente: Discuta seus sentimentos com líderes e colegas de confiança. Feedback: Procure feedback sobre seu trabalho de colegas e lembre-se de internalizar feedback positivo, equilibrando sua visão de erros e conquistas. Mentalidade de Crescimento: Adotar uma mentalidade de crescimento, vendo talentos e habilidades como desenvolvíveis, ajuda a lidar com desafios e fracassos de forma mais eficaz. Isso encoraja a ver falhas como oportunidades de melhoria, em vez de obstáculos intransponíveis. Referências:
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A Sociedade do Cansaço12/16/2023 Em "A Sociedade do Cansaço", Byung-Chul Han inicia uma exploração ontológica envolvente, contrastando os traços de positividade e negatividade que permeiam nosso horizonte histórico contemporâneo. Han identifica nossa era como um período de transição: estamos nos afastando de uma 'mentalidade negativa', estreitamente ligada ao modelo de controle famosamente delineado por Foucault em "Vigiar e Punir" — um modelo saturado com obediência, disciplina e medidas punitivas para desvios das normas estabelecidas. Ao contrário, estamos nos inclinando para um modelo de 'positividade'. Neste novo paradigma, o potencial é ilimitado, e os indivíduos são transformados em projetos como seus próprios empreendedores.
Em nossa sociedade orientada ao desempenho, a responsabilidade pelo fracasso se desloca inteiramente para o indivíduo, desviando a culpa das estruturas sociais e disparidades. Com o advento da internet, o conhecimento se tornou universalmente acessível, levando os proponentes da meritocracia a argumentar que motivação e disciplina são suficientes para alcançar sonhos e obter sucesso. No entanto, quando a sociedade coloca todo o ônus do sucesso e da mobilidade social no indivíduo, cria uma pressão insustentável, resultando em um aumento de problemas de saúde mental, incluindo esgotamento, ansiedade, depressão e vários transtornos de personalidade. Esse acesso irrestrito à informação promove uma mentalidade de que 'tudo é possível' com motivação e dedicação suficientes. Han observa astutamente que não é o excesso de responsabilidade que nos prejudica, mas sim a demanda implacável por desempenho, endêmica à nossa cultura de trabalho pós-moderna. O sujeito do desempenho, sob essa intensa pressão e com uma crença arraigada na possibilidade infinita, cai em uma armadilha de autoexploração. Esta exploração é particularmente insidiosa porque se disfarça de liberdade, borrando as linhas entre vítima e agressor, já que o indivíduo desempenha ambos os papéis. À medida que nos transformamos em projetos, buscando incansavelmente o máximo desempenho, sucumbimos involuntariamente à lógica capitalista de produtividade implacável. A onipresença de frases como 'alto desempenho' na publicidade e a proliferação de drogas que aumentam o desempenho são símbolos tangíveis dessa mudança social. Essa demanda interna por excelência constante, aliada às altas expectativas das organizações e à falta de apoio institucional, cria um terreno fértil para doenças mentais e uma nova forma de opressão internalizada. Tornamo-nos nossos próprios opressores. Anteriormente, os opressores eram claros: o proprietário de plantações, estruturas sociais rígidas ou o chefe autoritário. Estas figuras representavam um inimigo tangível para grupos marginalizados como trabalhadores e escravos. Um inimigo comum permitia solidariedade e ação coletiva. No entanto, o novo sistema capitalista inverteu essa lógica. Em vez de se unirem contra um opressor comum, os indivíduos competem entre si, vendo-se como rivais em vez de aliados. Essa mudança fortalece as estruturas de poder capitalistas, tornando crucial libertar-se das amarras do alto desempenho constante e reavaliar quem se beneficia da nossa busca incansável pela produtividade. Essa tática de fomentar rivalidade entre pares é um método comprovado de enfraquecer organizações e sociedades. As divisões territoriais artificiais impostas na África durante a era colonial levaram a guerras intertribais, desviando a atenção dos invasores europeus. Da mesma forma, o sistema patriarcal há muito tempo coloca as mulheres umas contra as outras, promovendo competição em vez de solidariedade. Hoje, falamos da importância da 'sororidade' como meio de desmantelar essas estruturas opressivas. Da mesma forma, devemos incentivar a união para desmantelar as novas estruturas capitalistas que se disfarçam como campeãs da liberdade individual, ou neoliberalismo. No entanto, embora eu concorde com a análise de Han em muitos aspectos, acho que seu uso do sistema imunológico como uma analogia para esses mecanismos sociais é um tanto redutor. Embora sirva como uma metáfora acessível, não encapsula a complexidade completa da imunologia humana ou as intrincadas estruturas de poder em nossa sociedade. A saúde de um organismo não depende apenas de sua capacidade de combater patógenos externos; também requer a coexistência harmoniosa de várias formas de vida, reconhecendo sua interdependência. Essa coexistência não é sem desafios; por exemplo, as bactérias em nossa flora intestinal são cruciais para a digestão, mas podem causar sepse se entrarem na corrente sanguínea. Tanto o positivo quanto o negativo devem coexistir em um sistema saudável. Isso destaca a necessidade de uma coabitação sustentável entre diversas formas de existência, organizadas de acordo com valores e visões de mundo compartilhados, permitindo uma coexistência mútua. Isso nos chama a considerar a saúde do nosso sistema social e do nosso planeta como um todo. Ao buscar esse equilíbrio, devemos desafiar a narrativa predominante de produtividade incessante, reavaliar a quem estamos servindo com nossos esforços e forjar um novo caminho que priorize o bem-estar coletivo sobre o desempenho individual. |